Não direi que a tua visão desapareceu dos meus olhos sem
vida
Nem que a tua presença se diluiu na névoa que vejo.
Busquei inutilmente acorrentar-te a um passado de dores
Inutilmente.
Vieste – tua sombra
sem carne me acompanha
Como tédio da última volúpia.
Vieste – e contigo um vago desejo de uma volta inútil
E contigo uma vaga saudade...
És qualquer coisa que ficará na minha vida sem termo
Como uma aflição para todas as minhas alegrias.
Tu és a agonia de todas as posses
És o frio de toda nudez
E vã será toda tentativa de me libertar da tua presença.
Mas quando cessar em mim todo o desejo de vida
E quando eu não for mais que o cansaço da minha caminhada
pela areia
Eu sinto que me terás como me tinhas no passado –
Sinto que me virás oferecer a água mentirosa
Da miragem.
Talvez num ímpeto eu prefira colar a boca à areia estéril
Num desejo de aniquilamento.
Mas não. Embora sabendo que nunca alcançarei a tua imagem
Que estará suspensa e me prometerá água
Embora sabendo que tu és a que foge
Eu me arrastarei para os teus braços.
27.4.1933
·
MORAES, Vinicius de. Poesia Completa e Prosa. Volume Único. Org. Eucanaã Ferraz. –
Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 2008, p.485.
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